No início deste mês, o Conselho Deliberativo Municipal do Patrimônio Histórico decidiu por unanimidade o tombamento dos trilhos que cortam o perímetro urbano de Araguari devido ao seu valor cultural, paisagístico, etnográfico, técnico e memorial. São 2.400 metros de extensão, desde a parte do final do pátio original da Estrada de Ferro Goyaz até o pátio da ferrovia atualmente ativa.
A linha férrea é um importante elemento cultural do município de Araguari (Foto: Gláucio H. Chaves) |
Durante todo o percurso, estão presentes os postes telegráficos, e cruzes de Santo André nos cruzamentos, pintadas com faixas brancas e pretas.
O inventário do tombamento foi executado pelo arquiteto Gláucio Henrique Chaves e Alexandre Campos, geógrafo que trabalhava na Divisão de Patrimônio e faleceu recentemente em um acidente na BR-050. A idéia é disponibilizar o espaço para utilização de transporte ao invés do uso turístico. “O veículo leve sobre trilhos é como se fosse um bonde, sua instalação é barata,” conta.
Um dos trechos do documento que oficializou este bem imóvel como patrimônio histórico do município ressalta que “tal como o leito de um rio é para suas nascentes, os trilhos no perímetro urbano fazem parte do conjunto ferroviário, sendo de importante necessidade sua preservação cultural.”
Um bem tombado é um bem que a comunidade deseja preservar, como explica o arquiteto. “As pessoas tem uma noção de que eles são intocáveis, mas na verdade eles devem ser utilizados. Aquilo não é só um cenário. Temos a ideia de que este patrimônio possa desencadear processos de pensamento, da pessoa se sentir pertencente à comunidade,” enfatiza.
Para intervenção nos trilhos, como aquelas que foram realizadas em recapeamentos na cidade, será necessário apresentar um projeto ao Conselho do Patrimônio, que irá analisar se a intervenção pode ser feita, e os critérios técnicos para determinar sua realização.
História
A construção da linha férrea ocorreu no início do século XX. A locação da ferrovia que ligaria Araguari –MG a Catalão – GO ocorreu em 27 de setembro de 1909, e evidencia o papel regional da economia, política e sociedade da época. Conforme o inventário, a linha férrea é um importante elemento cultural para o município, para o Triângulo Mineiro e os estados de Minas e Goiás, acervo este que transcende sua história e seu território. Seu valor pode ser comprovado com os tombamentos do Conjunto Arquitetônico e Paisagístico da Antiga Estação da Estrada de Ferro Goiás, municipal em 1989 e estadual em 2002.
Degradação
Abandono, ação do tempo, vandalismo, obras públicas, falta de uso e acúmulo de lixo, são alguns dos fatos ligados à degradação dos trilhos, conforme documento da Divisão do Patrimônio Histórico. Um episódio polêmico foi a abertura da rua Luiz Schinoor, paralela a rua Amapá, feita pela prefeitura municipal.
Segundo Gláucio Henrique Chaves, o dossiê de tombamento do conjunto arquitetônico, dizia que não era permitido abrir novas ruas dentro do complexo. “A administração quis fazer, e o Ministério Público não se sensibilizou com isso. O problema dessa rua é que o pátio foi cortado em dois, o que ocasionou em vários furtos de material ferroviário. Havíamos avisado isso uma semana antes de acontecer,” expôs.
Transcrito do Gazeta do Triângulo, edição de 20/12/2011.
Pitaco do Blog
Nas pessoas dos familiares do saudoso Alexandre e na do Gláucio, parabenizo o Conselho Deliberativo Municipal do Patrimônio Histórico e Cultural de Araguari pela medida adotada. A saga da ferrovia em Araguari é um bem imaterial que necessita ser preservado. As gerações futuras têm o direito de conhecer a luta daqueles que ajudaram a desenvolver a cidade e participaram da interiorização do desenvolvimento, daquilo que pode ser tranquilamente inserido no conceito de integração nacional.
Infelizmente, o trabalho dos preservadores é inglório. Muitas vezes, desconhecido de grande parte da população. Noutras tantas, tem como grande obstáculo as barreiras criadas pelo poder público, justamente aquele que deveria ser um parceiro nessa luta.
A propósito, o grande temor atual das pessoas envolvidas na preservação desse patrimônio radica-se exatamente na conduta dos atuais administradores da cidade. Contando com a omissão do Legislativo, do Ministério Público e da sociedade em geral, a gestão Marcos Coelho recortou o pátio da antiga estação ferroviária, sepultando trilhos e desfigurando aquele acervo histórico. A maior tristeza decorrente desse fato, além da destruição do patrimônio em si mesma, é a constatação de que temos no atual governo vários parentes de um das pessoas mais importantes da história araguarina, o antigo empresário Manoel Póvoa, que fez fortuna em seus estabelecimentos montados justamente ao lado da já destruída linha férrea da antiga Mogiana. Preservar a história da ferrovia seria, em certa medida, preservar também a memória do patriarca da família Póvoa.
Somente a educação e a conscientização da população em relação ao significado desse legado dos ferroviários poderá salvar esse patrimônio. É preciso agir antes que seja tarde. Por isso, redobramos o agradecimento aos membros do Conselho. Muitas outras lutas se avizinham. Que venham outras vitórias!
Atualizado às 11h08. Na postagem original, cometi um equívoco, confundindo o Alexandre Campos, recentemente falecido, com o também atuante Alessandre Campos. A todos, peço desculpas pela falha. Ao leitor Riberto de Sousa Júnior, agradeço pelo alerta.
2 comentários:
Uh, trem bão.
Neste fato não tenho participação.
Mas, quando fui Presidente do Conselho Deliberativo Municipal do Patrimônio Histórico e Cultural de Araguari os membros do Conselho aprovaram o tombamento da Igreja de Fatima e da antiga sede da Secretaria de Obras (Rua Cel Jose Ferreira Alves de frente a Drogaria Nogueira). Um tombamento que está apenas registrado nas atas deste Conselho, pois o Prefeito por motivos desconhecidos não o assinou na época (2008).
Espero que esse tombamento dos trilhos seja concretizado.
Postar um comentário