Wellington Colenghi Galdino*
Início de ano, chuva, calor e uma velha conhecida do brasileiro aparece: a famigerada dengue. O corrente ano já apresenta 149%de casos em relação a 2018. Mas se o governo, principalmente o federal, investe tanto no combate ao Aedes aegypti, por que passamos constantemente por epidemias? O problema da dengue no Brasil é que as atividades de prevenção e combate são elaboradas de maneira reativa e com muito pouca interdisciplinaridade.
As medidas de controle do vetor são elaboradas sem levar em conta a urbanização desordenada e principalmente, o descarte de resíduos sólidos. Em nossa cidade, por exemplo, não há um serviço de coleta seletiva do lixo que dê destinação correta dos descartáveis. Sabemos que as famílias atualmente consomem mais, portanto produzem mais lixo. Parte desse lixo se torna criadouros do mosquito se não for descartado corretamente. Exceto, os coletores da ASCAMARA, nossa cidade não possuiu, por exemplo, unidades para recebimento desse material que em alguns casos se acumulam nos quintais.
É de bom tom lembrar, que a troca de governo, no âmbito Federal e Estadual, ocasiona descontinuidade nas ações. Muitas vezes políticas que estão sendo executadas com sucesso são deixadas de lado pelo novo gestor, que muitas vezes, não coloca alternativa em execução e a dengue, não escapa da dessa realidade. No nosso ponto de vista, tanto o governo Federal, quanto o estadual, não estavam preparados para o aumento dos casos da doença em relação ao ano passado. Mas não só os governos atuais têm culpa. O governo Dilma para enfrentar o surgimento da ZIKA e Chikungunya, usou medidas desesperadas e pontuais, colocando, inclusive, o exército nas ruas, em uma operação que foi mais para jogar para a plateia. Digo isso, por que as ações do Governo Dilma também ficaram apenas nisso, sem novidades.
Lembro ainda, que os processos utilizados no combate ao vetor, são os mesmos utilizados pela SUCAM. Apesar de ter funcionado na segunda metade do século passado, hoje a realidade é outra. O serviço de campanha da extinta SUCAM é um tanto autoritário e com um discurso que viabiliza medidas planificadoras e em contraste com os dias atuais, perderam o significado. Creio que o planejamento de cima para baixo é extremamente ineficaz no controle do vetor, já que desconsidera as particularidades regionais. O controle da dengue no país parte de uma orientação vertical na tomada de decisões e no planejamento. Dessa forma, há uma separação entre quem planeja o trabalho (União) e quem executa o programa (Município). A descentralização dos serviços de saúde, na década de 1990, não proporcionou o empowerment necessário para que os municípios formulassem suas próprias estratégias, conforme suas realidades locais. E, ainda nesse sentido, a educação em saúde, principal ferramenta do Programa Nacional de Controle da Dengue (PNCD), não consegue transformar discurso em prática no dia a dia da população.
Ainda, há uma cultura dentro da própria administração pública e que reflete na população, de que apenas o controle vetorial tem responsabilidade sobre as endemias, desconsiderando-se fatores ambientais, culturais e socioeconômicos das comunidades de modo a desvincular o controle da interdisciplinaridade essencial para a eficácia do trabalho. Outro fator a ser considerado é o modelo de descentralização adotado pelo SUS na reforma administrativa, na década de 1990. A descentralização não foi seguida pela desverticalização das decisões, o que impediu, e ainda impede o empowerment dos municípios que se sujeitam a uma relação de submissão e ficam impedidos de implementar o trabalho conforme a realidade local.
O município repete as ações reativa das outras esferas. E para alguns gestores, isso é cômodo. O modelo atual de políticas públicas voltadas para o controle de endemias deve ser repensado, pois suas ações apresentam-se descontextualizadas da realidade e não atendem às demandas com eficiência. Faz-se necessário, portanto, implementar um planejamento em que os usuários tenham voz ativa, garantindo ações dentro da realidade local de modo a evitar medidas planificadoras, pontuais e ineficazes. O paradigma relativo ao conhecimento deve ser quebrado e desverticalizado, promovendo uma simbiose entre senso comum e saber técnico, garantindo, assim, a confiança da comunidade na Administração Pública.
Ainda, as ações de controle vetorial devem caminhar lado a lado com planejamento urbano, destinação correta de resíduos sólidos, abastecimento de água, não destoando de fatores socioambientais e econômicos. As regionalidades não devem ser menosprezadas, mas, sim, utilizadas como fator de multiplicação do conhecimento. Como exemplo, citamos a utilização, com relativo sucesso, da Literatura de Cordel na educação em saúde nos estados do Nordeste. A comunidade deve ser participada na formulação de ações, podendo, dessa forma, tornar-se participante na construção de sua própria história, desvinculando-se do papel de receptora das benesses do governo e se tornando responsável pela sua saúde, bem como da saúde daqueles em seu entorno.
*Bacharel em Administração Pública pela Universidade Federal de Ouro Preto
Especialista em Gestão em Saúde pela Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio
Arouca-ENSP-FIOCRUZ
Servidor do Município
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