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quinta-feira, 6 de agosto de 2009

A ficha ainda não caiu.

ELIO GASPARI
Renuncie, homem. Aqui somos três a pedi-lo. Eu, o Milton Campos e o Pedro Aleixo, três amigos, velhos companheiros a quem você admirava com sorriso encantado quando chegou à Câmara, em 1959, aos 29 anos. Todos três passamos por momentos em que nos enganamos quando as circunstâncias se confundiram com a existência. Na renúncia do Jânio eu era ministro das Relações Exteriores e deveria ter defendido, desde o primeiro momento, a posse do doutor João Goulart. Em 1964, diante dos primeiros casos comprovados de tortura, o Milton deveria ter renunciado ao Ministério da Justiça. O Pedro Aleixo reconhece que naquela reunião que editou o AI-5 ele devia ter devolvido a vice-presidência. Um ano depois, apearam-no. Nos três casos, as circunstâncias indicavam que devíamos fazer o que fizemos. Confundidos, pensávamos que não havia opção melhor. Você sabe que a modéstia nunca foi um dos meus atributos: não percebemos quão grandes éramos. Com justos motivos você avalia suas opções levando em conta o que diz o presidente Lula, o apoio do senador Renan Calheiros e até mesmo a agressiva defesa representada por Fernando Collor. Você pensa até no PMDB. Tudo circunstancial. Em 1988 Lula te chamou de "incapaz" cinco vezes em 43 segundos. O que haveria de pensar o jovem José Sarney se visse a mim, ao Milton e ao Pedro almoçando no Bife de Ouro com o Tenório Cavalcanti e o Amaral Neto? Claro que pouca gente sabe quem são esses dois (nem estamos aqui para reapresentá-los). Assim como os jovens de hoje não lembram o que foi a UDN, os de amanhã não lembrarão o que foi o PMDB. Renuncie, homem. Saia desse contratempo e carregue seus penares. A crise é sua, mas, a esta altura, ela interessa aos outros. Ao Lula convém um Congresso desmoralizado. Aos aliados do PMDB interessa mostrar que têm os poderes dos embalsamadores. Fuja do sarcófago. Censurar jornal, José? Chantagear o Pedro Simon, Sarney? Esse não é nosso patrimônio. O presidente que ficou impassível enquanto seu ônibus era apedrejado e riscou com o traço da bonomia sua passagem pela vida pública, está se apedrejando. Orgulhamo-nos da tua alvorada. Não compartilhe o crepúsculo com os senadores Calheiros e Collor. O Antonio Carlos Magalhães diz que isso é feitiço de um certo Bita do Barão, com seus tambores de Codó. Milton Campos e Pedro Aleixo pediram-me que escrevesse porque insistem em lembrar a qualidade do meu discurso de 9 de agosto de 1954. Até hoje sofro por esse ataque ao Getúlio Vargas. Não que devesse poupá-lo, mas padeço pelo que sucedeu quinze dias depois. (Ele evita encontrar comigo, nunca me dirigiu a palavra e na chegada do D. Hélder Câmara negou-me a mão.) Sei que você memorizou trechos dessa fala e sei que você jamais viu malícia na minha alma. Como o Pedro e o Milton insistiram ao ponto da impertinência, repito-me: "Senhor presidente Getúlio Vargas, eu lhe falo como presidente (...) tome afinal aquela deliberação, que é a última que um presidente, na sua situação, pode tomar. (...) E eu falo ao homem Getúlio Vargas e lhe digo: lembre-se da glória de sua terra (...) lembre-se homem, pelos pequeninos, pelos humilhados, pelos operários, pelos poetas."
Com as recomendações de Annah e os votos pela recuperação de Marly, deixa-lhe um abraço e a certeza da amizade, o seu,
Afonso.
Texto publicado no Globo de 5.8.09, disponível em http://oglobo.globo.com/pais/moreno/posts/2009/08/05/de-arinos-edu-para-sarney-gov-211357.asp

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