No STF, o caso do Banco Master aprofunda esse cenário. A decisão do ministro Dias Toffoli de avocar para si a competência para julgar os crimes envolvendo a instituição e, em seguida, revogar a prisão do controlador Daniel Vorcaro — apesar de indícios de prejuízos bilionários a pessoas físicas e a entes públicos — reforça a percepção de seletividade penal. O quadro se agrava diante das suspeitas, noticiadas pela imprensa, da existência de certos vínculos, ainda que indiretos, entre o banqueiro e outros ministros do STF, como Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes, em um tribunal que ainda resiste a adotar um código de ética claro e vinculante.
Ainda no Supremo, chama atenção, a decisão monocrática do ministro Gilmar Mendes que praticamente inviabilizou a atuação de cidadãos, entidades e parlamentares na provocação do Senado para análise de pedidos de impeachment de ministros da Corte. Ao esvaziar um dos poucos mecanismos de controle político-institucional previstos na Constituição, o STF acaba por reforçar uma lógica de autoblindagem incompatível com o princípio republicano da responsabilidade e da transparência.
Essa lógica se repete no Parlamento. Há cerca de dois meses, a Câmara dos Deputados aprovou a chamada PEC da Blindagem, que dificulta investigações e responsabilizações de parlamentares, ampliando obstáculos às buscas, apreensões e medidas cautelares contra membros do Congresso. Vendida como garantia ao exercício do mandato, a proposta foi amplamente criticada por especialistas por criar privilégios e afastar o princípio da igualdade perante a lei.
No plano estadual, o exemplo da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro é ilustrativo. Ao derrubar os efeitos da prisão provisória de seu presidente, deputado Rodrigo Bacellar, — determinada pelo STF —, a Casa legislativa optou pela autoproteção corporativa, mesmo diante da acusação de que o parlamentar teria avisado o também deputado TH Joias, ligado à facção criminosa Comando Vermelho, sobre a iminente realização de uma operação da Polícia Federal. A mensagem transmitida é inequívoca: quando envolve o poder, a lei pode esperar.
Esses cinco episódios não são fatos isolados. Eles contrastam frontalmente com o discurso político aparentemente dominante no Brasil, que promete mais responsabilização (accountability) e endurecimento das sanções. Enquanto a retórica punitivista parece responder ao sentimento de parcela significativa da sociedade, na prática o que se observa é a manutenção de flexibilizações, privilégios e mecanismos de blindagem reservados às elites políticas, jurídicas e econômicas. O resultado é um sistema severo para os de baixo e complacente para os de cima, no qual a própria ideia de República — entendida como a gestão da coisa pública em benefício do interesse coletivo — vai sendo progressivamente esvaziada. Quando cargos, mandatos e funções estatais passam a operar em favor da autoproteção de grupos e indivíduos, a lei deixa de ser patrimônio comum e a democracia perde seu conteúdo, corroída pela lógica do privilégio e da impunidade.
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